Home » Artigos, Destaque » Manifesto: Ocupa Brasil! O Projeto Mais Médicos, o fortalecimento do SUS e da educação médica

casemiroO projeto ‘Mais Médicos’ do Ministério da Saúde tem despertado um intenso, acalorado e nem sempre ético debate sobre a encruzilhada em que se encontra o Sistema Único de Saúde (SUS). Consagrado na Constituição de 1988 o SUS foi um dos maiores avanços sociais que tivemos no século XX. Seus princípios de Universalidade, Integralidade e Gratuidade, trazem como conceito fundamental o direito a cidadania com inclusão social. As elites conservadoras, insensíveis às causas populares, trataram de protelar o quanto puderam, para depois inviabilizarem o seu financiamento. Hoje o sub financiamento está inviabilizando o nosso SUS.

O governo FHC foi decisivo nesse sentido. Idealizada pelo Professor Adib Jatene, a CPMF foi proposta para ser a principal fonte de recursos federais para o setor. Depois de aprovado no Congresso Nacional, o governo FHC desvirtuou completamente o uso desses recursos, única e exclusivamente para atender aos interesses dos rentistas e quase nada aplicou na Saúde. Este fato gerou a saída do Ministro Adib Jatene. Com o mundo vivendo uma verdadeira epidemia de neoliberalismo, foi criada a lei de responsabilidade fiscal. Submetem a sociedade a um tremendo sacrifício para alimentar ainda mais a ciranda financeira, beneficiando, como sempre, os interesses mesquinhos dos rentistas. Tudo isso sem nenhuma compensação que pudesse demonstrar o mínimo de responsabilidade ou de compromisso social. Promoveram um agressivo desmonte do Estado com frenéticas privatizações, muitas delas a preço de banana, delapidando importante parcela do patrimônio do país.

No Governo Lula foi proposto a prorrogação do imposto com diminuição do valor descontado e com destinação carimbada exclusiva para o financiamento da saúde, inclusive com cláusula de extinção do imposto, caso os recursos arrecadados não fossem aplicados integralmente no setor. Infelizmente a nova CPMF foi derrubada pelo Congresso Nacional, sem que se aponta-se nenhuma outra fonte alternativa de financiamento, gerando uma perda ao setor de 40 bilhões de Reais por ano. De lá para cá, as dificuldades só têm aumentado. Tanto pelo sub financiamento como também, devido ao aspecto positivo causado pelos programas de inclusão social, que como efeito consequente só faz incrementar a demanda por mais e melhores serviços públicos.

São gigantescos os desafios que se colocam para a sociedade brasileira nessa segunda década do milênio. Apesar de todo avanço social da última década, ainda temos um grande Apartheid, que se manifesta de maneira mais dramática na desatenção a Saúde de expressiva parcela da população brasileira. Quem conhece e vivência o duro sofrimento de homens, mulheres e crianças, que são diariamente humilhadas na busca de um direito básico, sabe que não estamos cuidando bem do nosso povo. Ignorar essas pessoas é negar-lhes a cidadania, é julgá-los e trata-los como cidadãos inferiores, é medievalizar as relações humanas. Essa situação é absolutamente insustentável.

Quero suscitar uma reflexão sobre o programa “Mais Médicos”, anunciado pelo Ministério da Saúde. Acho que, nós médicos deveríamos fazer uma ampla campanha para que essas milhares de vagas de trabalho que se abrem, sejam preenchidas por médicos regularmente registrados nos nossos Conselhos Regionais de Medicina. Ficariam sob a tutela de um colegiado Coordenado pelo Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Universidades e com representação das Entidades Médicas, Secretarias de Saúde dos Municípios e Conselhos Municipais e Locais de Saúde. Firmariam um contrato de 3 anos, período pelo qual o Governo se comprometeria a criar a Carreira de Estado para o SUS, tendo como ponto de partida as vagas criadas nesse projeto.

Em paralelo o governo também comprometer-se-ia a uma profunda reformulação do ensino médico e dos cursos de Residencia. Com a legitimidade das Entidades Médicas, provavelmente não precisaremos lançar mão de Médicos de outros países para atender nossa população. Porém é preciso ter em mente que essas vagas precisam e devem ser preenchidas e com critérios técnicos consagrados. O não preenchimento dessas vagas nos obrigará a rever o discurso de que não faltam médicos e que a carência é resultante única e exclusivamente da ausência de uma carreira de estado. Não me parece razoável, que por falta de carreira, um contingente de mais de 10 mil médicos prefira ficar desempregado a trabalhar nos locais de difícil provisão. Me parece bastante contraditório dizer que temos médicos em número suficiente às necessidades do sistema e mais de 10 mil vagas de trabalho ficarem abertas.

É necessário fazer também uma profunda reformulação do ensino. Atualmente as escolas médicas não atendem as necessidades da nação. Com enfoque quase que exclusivo na atenção hospitalar terciária e quartenária, distorce, fragmenta e especializa precocemente a formação. Cria um verdadeiro exército de especialista que atende aos interesses da saúde suplementar e da industria de equipamentos médicos, ajudando a engordar cada vez mais os já astronômicos lucros das empresas de medicina de grupo. Fato esse que atenta contra os interesses da classe, que tem tido a cada ano mais dificuldade de recompor e até mesmo de manter os honorários médicos pagos pelas operadoras de saúde. Parece paradoxal, porém é a mais pura realidade: faltam e sobram médicos no Brasil. Sobram especialistas e faltam generalistas.

Separar as instituições de graduação dos cursos de especialização é um desafio que precisa ser enfrentado com ousadia e coragem. Os acadêmicos precisam ter o ensino concentrado na atenção básica, na urgência e emergência e em instituições hospitalares de nível secundário. O acadêmico de medicina deve frequentar a Rede Básica de Saúde desde a primeira hora do primeiro ano até a última hora do sexto ano. O curso de medicina de 6 anos precisa ter um caráter terminativo e para isso os acadêmicos não podem sofrer a concorrência desleal da Residência Médica. Além disso com uma estrutura menos complexa o custo de formação do médico seria muito menor e também permitiria uma melhor distribuição das vagas pelo território nacional.

Os Hospitais de Clínicas (HCs), por terem um caráter essencialmente terciário e quartenário, deverão ficar a serviço da formação dos especialistas através dos cursos de Residência Médica afins à sua complexidade e atendendo as necessidades da nação e não aos inconfessáveis interesses daqueles que exploram a Saúde Suplementar.

Como alternativa melhor ao prolongamento do curso médico em 2 anos, fato que só elitizará ainda mais o curso de medicina, deveria ser obrigatório ao candidato à Residência Médica, o pré requisito de estar formado há pelo menos 2 anos. Isso seria muito útil tanto ao sistema de saúde, pois o principal mercado para os médicos generalistas é o SUS, quanto para os formandos que terão uma estupenda experiência profissional e poderão, com muito mais propriedade, escolher ou não e com melhores critérios a opção por uma especialização.

Por Casemiro dos Reis Júnior

Presidente do Sindicato dos Médicos de Campinas e Região
Presidente da Federação dos Médicos do Estado de São Paulo

3 Comments

  1. Olavo Silva disse:

    Quanto o governo Lula repassou durante os anos que recebeu de CPMF? e agora os IOF? Alias, quanto foi que aumentou em total e relativo de tributação de governo PT? Segundo a FGV e a propria RF carga tributária sobre o PIB passou de 24,4% para 37,5% no período. E o SUS continua subfinaciado. Na Unicamp o aluno já vai do primeiro ao sexto ano as unidades de saude do SUS. Não é assim com outras cursos de medicina. Senhor Casemiro a quem quer enganar? Só se for a si mesmo? Pare de idolatrar um partido, venha trabalhar de verdade como medico atendendo a população carente em saúde. O senhor como sindicalista moralmente não pode defender um programa que não tem garantia alguma de trabalho, não é CLT, não tem estabilidade, ferias ou decimo terceiro ou qualquer outra garantia trabalhista. Pelo contrario, atribui que todos os valores recebidos com correção, inclusive o da bolsa devem se devolvidos se o medico for afastado.

  2. EDUARDO disse:

    NÃO ACREDITO QUE NEM O LULA NEM O FHC UTILIZARAM A CPMF PARA CUSTEAR A SAUDE, ESTE DINHEIRO FOI PARA PAGAR JUROS DA DIVIDA EXTERNA E INTERNA. A GRANDE DEMAGOGIA DO PT É QUERER RESPONSABILIZAR O MÉDICO. O LULA NÃO PODE SER APONTADO COMO CULPADO PELA DILMA, SUA AFILHADA POLÍTICA, E COMO O PT SÓ PENSA EM GANHAR ELEIÇÕES E NÃO ATACAR O PROBLEMA NA RAIZ, ENTÃO COLORAM O MÉDICO COMO O BODE EXPIATÓRIO. UM PROBLEMA CRÔNICO COM ESTE PRECISA É DE ESTRUTURA BASICA E QUE FUNCIONE, SEJA ABASTECIDA E NÃO INICIADA E DEPOIS COMEÇE A FALTAR DE TUDO ATÉ COISAS BÁSICAS. O QUE VEJO É MUITOS ESTÃO PEGANDO CARONA-ELEITOREIRA PARA CONSEGUIR NOTORIEDADE. NÓS MEDICOS NÃO MERECEMOS UMA PROFISSÃO REGULADA, NÃO MERECEMOS UMA CARREIA, NÃO TEMOS UM SALARIO DIGNO E SOMOS VÍTIMAS FREQUENTES DE CALOTES POR PARTE DE PREFEITURAS PRINCIPALMENTE. ALEM DE TUDO TEMOS QUE NOS EXPOR A TRABALHAR SEM A MÍNIMA ESTRUTURA, SUJEITO A TODA E QQUER SORTE DE SITUAÇÕES DE RISCO, PODENDO SER PROCESSADO POR SITUAÇÕES CRIADAS PELOS GESTORES QUE GEREM MAL OS RECURSOS. O GOVERNO QUE VC DEFENDE É DE UMA HIPOCRISIA TAL QUE SENDO O PARTIDO DE DEFESA DOS TRABALHADORES ARQUITETA UM PROGRAMA NÃO COM VINCULOS EMPREGATICIOS E SIM UMA BOLSA E ONDE VC NÃO TEM NENHUM DIREITO TRABALHISTA? ISTO SIM É UMA MEDIDA RÁPIDA NÃO PARA O POVO E SIM PARA GANHAR ELEIÇÕES. PQ O SENHOR NÃO VAI TRABALHAR NA PREFEITURA DE PEDREIRAS AONDE O SALARIO É DE 1.063,00. O SEC DE SAUDE DISSE QUE O SALARIO ERA ATRATIVO. RENUNCIE AO SALARIO DO SINDICATO E VÁ TRABALHAR NO FRONTE DA GUERRA DO SUS; DE SUA CARA PARA BATER, VIVA O DIA-A-DIA DESTE SUS QUE NÃO TEM GAZE, NAO TEM DIPIRONA.

  3. Coragem é uma moeda rara nos dias de hoje. Sei que minha afirmação é parcial pois conheço e admiro o Casemiro ha muito tempo, mesmo não tendo uma coecidencia total com a posição dele admiro muito sua coragem de remar contra uma corrente hegemonica na nossa classe médica. Mudar o foco apenas na questão corporativa é o grande salto de qualidade que podemos dar, acho que a vinda dos médicos estrangeiros é só uma pimenta no tempero do SUS e as sugestões de tempero do texto só me abrem o apetite.

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